LEGISLATIVAS | Formação do Governo, Composição da Assembleia Nacional e Corrida aos Cargos
A Comissão Nacional das Eleições (CNE) acaba de fechar o processo de apuramento geral, no âmbito das eleições legislativas de 2021. Do total dos dados apurados, o Movimento para a Democracia foi claramente vencedor, com 48.8% dos votos expressos nas urnas, enquanto o PAICV ficou pelos 36.8% dos votos. A UCID ficou com 8.8% dos votos, o PTS ficou com 0.8% dos votos, o PP ficou com 0,3% e o PSD com 0,1% dos votos expressos pelos eleitores cabo-verdianos no país e na diáspora. Esses números resultaram em 38 dos 72 deputados do Parlamento nacional para o MpD, tendo o PAICV ficado por 30 deputados. Com uma base consolidada em São Vicente, a UCID ficou com 4 deputados, entre eles, Amadeu Oliveira, que já esteve no Parlamento a representar as cores do PAICV. Os restantes partidos que concorreram às legislativas de 2021 ficaram pelo caminho, sem poderem eleger um único deputado.
Depois de concluído o processo eleitoral, as peças começaram a movimentar-se na teia das relações de poder e os cargos estão aí. Brevemente, a sociedade cabo-verdiana irá conhecer o próximo governo e a composição da estrutura que lidera a Assembleia Nacional. Nome entra, nome sai, o processo de escolha das lideranças não é fácil. Nunca o foi. Por agora, em Cabo Verde, os telefones não param de tocar. São vários os posicionamentos de personalidades que aspiram chegar ou permanecer no topo da cadeia de poder no país. O Jornal Arquipélago conversou com uma fonte bem posicionada no seio da Assembleia Nacional e do partido que venceu as eleições, no sentido de perceber como anda a corrida aos cargos.
Do Ministério da Saúde à Assembleia Nacional, a Dinâmica dos Nomes e dos Cargos
Orlando Dias, Arlindo do Rosário, Artur Correia e Jorge Barreto. Vamos começar pelo último.
Jorge Noel Barreto seria uma estreia na mais alta estrutura de governação do país. Dirige, atualmente, a Direção Nacional da Saúde, substituindo Artur Correia no combate à pandemia da COVID-19, que, basicamente, ocupa grande parte da preocupação dessa unidade de gestão governamental do sector da saúde. Jorge já teve outra função de destaque. Foi Diretor do Serviço de Controlo e Prevenção de Doenças Prioritárias. A possibilidade de chegar ao Ministro da Saúde seria uma ascensão no percurso, de um profissional que tem conquistado o seu espaço e que anda a meio da carreira. Artur Correia tem, em comum, com Jorge Barreto o facto de ter sido Director Nacional da Saúde e assunção de frentes de combate a doenças virais.
Se Jorge Barreto foi Diretor do Serviço de Controlo e Prevenção de Doenças Prioritárias, tendo um papel fundamental no combate às doenças infecciosas que, de resto é a sua área de especialização, Artur Correia foi, por largos anos, o Secretário Executivo do CCS-SIDA no Comité de Coordenação do Combate à SIDA. Deixou o cargo de Diretor Nacional da Saúde recentemente, em meio ao processo da pandemia, e foi para a reforma. Integrar o elenco governamental e assumir a pasta de Ministério da Saúde seria ‘a cereja em cima do bolo’ para a ponta final da sua carreira na Administração Pública cabo-verdiana.
Porém, a nossa fonte que se posiciona ao nível de um parlamentar da Assembleia Nacional – mas que, por agora, não aceita ser identificado –, avança, também, que o nome de Arlindo do Rosário não poderá ser descartado neste momento, por três ordens de razão: porque é um profissional de saúde com um percurso reconhecido; porque, atualmente, exerce o cargo, o que tem feito ao longo do mandato e, enfatiza, porque existe uma ‘força de Santo Antão’ dentro das estruturas decisórias do partido vencedor das eleições que o poderá suportar. De qualquer forma, as peças de xadrez estão em cima da mesa.
Outro nome que, também, não foge a esta equação é o de Orlando Dias. O atual deputado nacional já foi Ministro da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares quando o Movimento para a Democracia (MpD) governou Cabo Verde nos anos 90. Nos últimos anos, Orlando Dias tem feito uma carreira entre o Parlamento Cabo-verdiano e o Parlamento da CEDEAO. Foi até o início deste ano vice-Presidente do Parlamento da CEDEAO e, quando em 2018 chegou a vez de Cabo Verde assumir o órgão executivo daquele organismo de integração regional africana, posicionou-se como o pretendente ao cargo de Presidente da Comissão da CEDEAO. Na altura, outro nome mostrou-se disponível: Isaías Barreto, que, à época, desempenhava a função de Comissário da CEDEAO para as Novas Tecnologias. Ainda, havia outros nomes debaixo do pano. À época, a situação foi mal resolvida: Cabo Verde foi, praticamente, ultrapassado ‘na curva’ pela Costa de Marfim, que ‘arrancou-lhe’ a possibilidade de assumir a Comissão. Orlando Dias manteve-se, por Cabo Verde e pela África.
O nome de Orlando Dias, hoje, não aparece apenas na corrida ao Ministério da Saúde. Está, também, apontado como um possível ‘candidato’ a primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional. Quando se pergunta à nossa ‘fonte parlamentar’ como é que o nome de Orlando Dias aparece em dois lados (como um possível Ministro da Saúde e um possível primeiro-vice-Presidente da Assembleia Nacional), a mesma diz que, neste período, “logo depois das eleições e da confirmação dos resultados, as peças são colocadas em cima da mesa, são equacionados os pesos de cada um dos elementos e vai-se ver onde é que se encaixam melhor. No caso do Orlando Dias, ele já foi governante e tem uma longa experiência parlamentar. É por isso que o seu nome se encontra em dois lados”.
Porém, a nossa fonte, uma pessoa que dividiu a bancada do MpD com Orlando Dias ao longo do mandato que agora finda, não fica por aí na sua análise. Considera que o parlamentar teria muito mais a ganhar se continuasse no Parlamento: “Acho que ele [Orlando Dias] deveria ficar no Parlamento e assegurar o lugar de primeiro-vice-presidente da Assembleia Nacional. Isso iria permitir-lhe manter uma estreita ligação com a sua base eleitoral, que está na parte continental do continente africano. Se for para o governo, perderá essa base eleitoral e sairá fragilizado no panorama político cabo-verdiano. Também, devemos considerar que o tempo que ele tem estado nas relações institucionais em África permitiu-lhe criar uma rede de contactos muito importante, que na política é fundamental para desbloquear processos e avançar com importantes projetos. A política faz-se desses ‘networks’. Não podemos esquecer que Cabo Verde poderá ter a possibilidade de assumir a presidência da Comissão da CEDEAO em Março de 2022, sendo que a escolha acontece em Dezembro deste ano. O Orlando, pelo seu percurso em África, tem todas as chances para assumir a Comissão”, enfatiza a nossa fonte.
A corrida aos cargos é bastante mais extensa. Orlando Dias não está sozinho com olhos na primeira vice-presidência da Assembleia Nacional. De acordo com a nossa fonte, Mircea Delgado e João Gomes, também, estão na corrida. A própria presidência da Assembleia Nacional é um dos cargos que têm tido concorrências. Porém, não ficam de fora ministérios como o da Educação e das Infraestruturas, que, por agora, também estão no ‘olho do furacão’. A possibilidade de Jorge Santos não lutar pela sua recondução à presidência da Assembleia Nacional poderá ter em vista uma possível aspiração a ministro das infra-estruturas, segundo a nossa fonte. Neste sentido, terá que fazer frente a Eunice Silva, que, ao que tudo indica, pode não estar no governo de Ulisses Correia e Silva ‘de pedra e cal’. A confirmar-se, abre-se caminho para Austelino Correia disputar a estrada que leva à colocação do próximo Presidente da Assembleia Nacional.
Enquanto tudo não ficar muito claro, a luta continua. E os combatentes estão disponíveis para todos os combates. Até à colocação de última pedra. Para, depois, arrancar a comitiva de 2021-2026. Os que ficarem apeados poderão ter sorte numa hipotética remodelação... que, com Ulisses Correia e Silva, não é ‘verossímil’. Enquanto isso, terão que fazer pela vida.
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RD/ Jornal Arquipélago - Palmarejo Grande, 2021.
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